A chuva que molhava a terra carrancuda das comunidades de Café dos Ovos, Alto Grande, Torrões, Vertentes dos Rochas e Maniçoba trazia alento e cores para as comunidades. A cada segundo de chuva, recriava-se o sonho de um dia melhor e de uma nova colheita. As terras molhadas eram sinais de água para beber, água para sonhar, água para viver, água para amar. O Riacho do Benfica transbordava, e os bons pescadores entravam em ação, nas madrugadas, disputando espaço com o Saci e a Caipora.
Francisco Pinheiro, o “Chico”, filho de seu Nel e dona Luzia, afinava na mata seca a pé e lá pousava em torno do riacho. O menino franzino, com quase 40 quilos, carregava um “bucado” de peixes. A cada linhada era um monte de peixes na sacola. Além dos peixes que caíam do céu, junto com a chuva, que eram amparados em uma bacia. Ao final da pescaria era hora de partir, apenas na companhia da luz da lua, fugindo dos cachorros que latiam e entregavam a presença do pescador para os donos das terras.
A destreza do menino despertou a atenção de Luci, filha de Miguel e Luiza Barros. As trocas de olhares perduraram ao longo dos anos. O talento e a vontade de criar condições e melhorar o mundo dos moradores também sensibilizaram os trabalhadores responsáveis pela construção da BR-116, que fez a ligação das cidades de Icó e Palmerim. Chico contava com a orientação espiritual da madrinha, Maria Pinheiro, que era benzedeira e parteira. Seu padrinho, Moises Romualdo, era contador de causos, dominava como ninguém as histórias dos últimos cem anos.
Menino Wemerson
Recebeu dos padrinhos e dos pais o apoio para seguir o “trecho”, com a Construtora Mendes Junior, pelos rincões do Brasil. Tinha uns 14 anos de idade. Sem saber ao certo o que iria fazer, em que trabalharia, foi para o mundo. Os causos, as pescas, as caças, a família e o sonho diário de homens e mulheres com os nomes de Francisco, Raimundo, Miguel, Manuel, José, Antônio, Maria, Luiza permaneceram quentes e intensos. Ficaram as cadeiras de balanço e o vento do Aracati, que ao final da noite embalavam as famílias que dormiam também em suas redes. Ficou ainda Luci, com quem começaria a trocar cartas.
Chico começou sua saga, fora de casa, em 1970, desbravando a Transamazônica, seguindo grandes obras pelo Brasil varonil, até chegar a Foz do Iguaçu, no ano de 1975. Na Terra das Cataratas, trabalhou com o projeto em mãos até a conclusão da Usina Hidrelétrica de Itaipu. Os nomes das pessoas, as orientações espirituais e as águas continuaram a ter muito espaço e norte em sua vida. Em 1977, voltou ao vilarejo de Café dos Ovos, lugar mágico, para casar com Luci, a menina da vizinhança com a qual ele trocava olhares.
Desse amor, ganhei um irmão, o Carlos, e uma irmã, a Makariana. E os nomes das pessoas sempre permearam os sonhos e os caminhos da família. Eis que chega o dia 21 de maio de 1982, em que nasce este que voz escreve. Meu pai, um cara espiritual e tranquilo, deixou para minha mãe a missão de escolher o nome do menino. Ela era uma pessoa cheia de mistérios. Fã do Santos, do Pelé, e do Dr. Sócrates, do Corinthians.
Decidido. O nome do menino iria ser Sócrates. Dias antes do registro, minha mãe liga a televisão e acompanha uma partida de futebol. Entre um lance e outro, aparece um jogador chamado Emerson, que divide uma bola com Sócrates. Dias depois ela relembra de um jornal, amarelado, que um dia, ele enrolava uma rapadura. O produto devia ser para exportação e o jornal era o New York Times. Das páginas do periódico ela memorizou a palavra Emerson e se apaixona pela repetição do “W”, que aparecia em todos os parágrafos da folha do periódico. Esses lances são congelados na memória dela e registrados na minha certidão de nascimento, anos depois.
– Ei, Luci. Como é mesmo o nome do menino?
É Wemerson.
– Como?
Wemerson Da-blio-e.
O Dablioe era uma tentativa da minha mãe soletrar as duas primeiras letras do meu nome. A repetição e sua saga com as letras nas consultas médicas, matrícula de escola, e por onde andei com ela, ficou gravado como o segundo nome.
E aí, o menino cresceu e começou a escrever milhares de cartas para a mãe. Passava dias escrevendo e reescrevendo as cartas. Para cada pessoa era uma carta. Era preciso colocar detalhes, pesquisar e selecionar informações para cada destinatário.
Todo dia o menino escrevia cartas que seriam enviadas pelos Correios somente no final do mês.
De tando escrever cartas o menino virou jornalista, apaixonado pelos nomes, palavras, pessoas e idiomas.